terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Noite Dourada


De fora apenas se via a janela, no primeiro piso, é capaz, dourada, tépidamente iluminada, recheada de mesas simples e de bom gosto, luxuosamente reuqintada de pessoas, altas pessoas desse alto primeiro andar, que disfrutavam de uma qualquer refeição, jantar, sim era jantar. Uou! Excalmei eu. Quatro estrelas! Que máximo! Observei por momentos a porta, a transparente porta que comunicava com a recepção, confortável, igualmente bonita, moderna, quente. Simpática, parecia simpática e era convidativa. Almejei um dia lá ficar, quiçá numa loucura aventureira? Depois de ter descido o Parque, e atravessado acho que já mais de metade da Avenida, de noite, claro, já quase nada mais poderia juntar magia ao passeio ao qual o tempo deu tréguas. Mas dois passos à frente, lá estava ele. Comodamente imóvel, apreciando também ele a agradável noite e muitíssimo bem vestido de cartões, sob os quais dormitava deitado no chão. Muito bem acompanhado da a sua garrafa de vinho, companheira de longa data, atrevo-me a dizer. Mas que é a única capaz de olhar por ele na solidão. Se teria fome? Provavelmente. Mas as altas pessoas do primeiro andar não. Mergulhado numa imensa núvem cinzenta, não me foi possível ver-lhe a cara. Se calhar também não quis, envergonho-me muito por isso, por não ser quem desejaria ser. E discretamente lá estava ele escondido. O sem-abrigo, o vagabundo, o marginal, aquele que não vive porque não pode, ou porque não quer na minha sociedade. Não, não estava escondido, estava lá para quem visse. E vive, vive na minha sociedade se não eu não o via, se não não me indignava este contraste de dois passos, se não não haveria a luxuosa refeição iluminada, a que o escuro e magro e solitário homem sem casa não pode aceder, porque à minha sociedade nem eu sei se pertenço.

6 comentários:

JoanaC. disse...

Eu gosto bué desta musica e acho que se adequa aqui! Como ficava mal no post, é uma boa maneira de a colar :)
Disfrutem:
Parava no café quando eu lá estava
Na voz tinha o talento dos pedintes
Entre um cigarro e outro lá cravava a bica
Ao melhor dos seus ouvintes

As mãos e o olhar da mesma cor
Cinzenta como a roupa que trazia
Num gesto que podia ser de amor sorria
E ao partir agradecia

[Refrão]
São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
Que a Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar

Um dia numa sala do quarteto
Passou um filme lá do hospital
Onde o esquecido filmado no gueto entrava
Como artista principal

Compramos a entrada p'ra sessão
Pra ver tal personagem no écrã
O rosto maltratado era a razão de ele
Não aparecer pela manhã

[refrão]

Mudamos muita vez de calendário
Como o café mudou de freguesia
Deixamos de tributo a quem lá
Pára um louco
A fazer-lhe companhia

É sempre a mesma voz o mesmo olhar
De quem não mede os dias que vagueiam
Sentado la continua a cravar beijinhos
Às meninas que passeiam.

[refrão]
Ala dos Namorados

LilianaS. disse...

Gostei bué Joana=)

Vê lá se não me convidaste para o restaurante de primeira!

Pockets of Peace disse...

SÃO OS LOUCOS DE LISBOA QUE NOS FAZEM DE DUVIDAR, A TERRA GIRA AO CONTRARIO E OS RIOS NASCEM NO MAR.

tenho saudades das aulas de Educação Física em que nos perdíamos a cantar, sabes?

meu amor :)

P.S.: aquele comentário foi num tom irónico?!

Pockets of Peace disse...

É Lisboa, a sua outra face. A face oculta dos Maneis Malucos (lembras-te, Naninhas?). Aposto que não almejava a luz amarelada, o primeiro piso e as altas pessoas: desejava o conforto, o calor e um terço da seia. Aposto.

* (minha pitinha)

Pockets of Peace disse...

descanso? --' Joana, não estou-a-intender (tudo junto).

Missy_FLORescente disse...

Sabes o que me aconteceu este ano?

Fui passear por Lisboa à noite, ver as luzes. Estava maravilhada. E então comecei a tirar muitas fotos, a toda áquela mágica iluminação. Mas depois, reparei que estava a tirar fotos apenas a um telhado iluminado, e quando reparei por baixo, junto a essa casa, estavam muitos, mas muitos, sem abrigos... Uns a olhar, outros a dormir tapados com caixas, enfim o habitual.

Fiquei envergonhada, que só tive reacção para desligar a máquina, encostar-me ao banco do carro e chorar....


Que infeliz contraste tem a minha capital!